Formas
transdisciplinares não redutíveis aos “preceitos das disciplinas tradicionais”,
essas duas maneiras de ver o mundo são examinadas por Ubiratan D’Ambrósio. A
Merleau-Ponty cabe a aproximação entre fenomenologia e existência, pondera.
Por:
Márcia Junges
“Há
um diálogo entre a maneira fenomenológica de ver o mundo e a maneira etnomatemática
de ver o mundo. Ambas essas maneiras são transdisciplinares, isto é, não estão
‘engaioladas’ nos preceitos das disciplinas tradicionais”. A afirmação é do
matemático Ubiratan D’Ambrosio na entrevista, concedida por e-mail, à IHU
On-Line. Segundo o pesquisador, Merleau-Ponty, um de seus grandes
referenciais intelectuais, “aproxima fenomenologia e existência”. E acentua:
“De Merleau-Ponty apreendi principalmente que o real é o complexo de fatos e
fenômenos muitos surpreendentes”. D’Ambrosio aponta que um aspecto pouco
explorado na matemática é a psicanálise, amplamente estudada por Merleau-Ponty:
“Gostaria de estimular filósofos da matemática a darem mais atenção à
psicanálise. A matemática é a expressão de uma forma de ver o mundo, de uma
visão pessoal e de experiências próprias, e pode não estar subordinada à formalização
que é, muitas vezes, equivocadamente identificada com matemática”.
Ubiratan D’Ambrosio é doutor em Matemática pela Universidade de São Paulo – USP e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Foi internacionalmente agraciado com a “Medalha Felix Klein” (Educação Matemática/ICMI/IMU), com a “Medalha Kenneth O. May” (História da Matemática/ICHM/IMU). Foi presidente da Sociedade Brasileira de História da Matemática - SBHMat e do International Study Group on Ethnomathematics - ISGEm além de ser presidente de honra da Sociedade Brasileira de História da Ciência - SBHC. Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante – Uniban e professor credenciado nos programas de pós-graduação em Educação Matemática da Faculdade de Educação da USP e da Universidade Estadual Paulista/Rio Claro – Unesp e em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Dentre suas publicações, destacam-se Transdiciplinariedade (São Paulo: Palas Athena, 1997); Etnomatemática. Elo entre as Tradições e a Modernidade (Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2001); Uma história concisa da matemática no Brasil (Petrópolis: Vozes, 2008); e Educação para uma Sociedade em Transição (Natal: UFRN, 2011).
Ubiratan D’Ambrosio é doutor em Matemática pela Universidade de São Paulo – USP e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Foi internacionalmente agraciado com a “Medalha Felix Klein” (Educação Matemática/ICMI/IMU), com a “Medalha Kenneth O. May” (História da Matemática/ICHM/IMU). Foi presidente da Sociedade Brasileira de História da Matemática - SBHMat e do International Study Group on Ethnomathematics - ISGEm além de ser presidente de honra da Sociedade Brasileira de História da Ciência - SBHC. Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante – Uniban e professor credenciado nos programas de pós-graduação em Educação Matemática da Faculdade de Educação da USP e da Universidade Estadual Paulista/Rio Claro – Unesp e em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Dentre suas publicações, destacam-se Transdiciplinariedade (São Paulo: Palas Athena, 1997); Etnomatemática. Elo entre as Tradições e a Modernidade (Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2001); Uma história concisa da matemática no Brasil (Petrópolis: Vozes, 2008); e Educação para uma Sociedade em Transição (Natal: UFRN, 2011).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como se deu o contato e a aproximação de seus estudos com a obra de Merleau-Ponty?
Ubiratan D’Ambrosio – Nos meus anos de formação, em matemática, a leitura de Husserl foi muito natural. Daí ler Heidegger e Merleau-Ponty foi consequência e me levou a outros autores na linha da fenomenologia e do existencialismo, em sentido amplo. Naturalmente, essas leituras não tinham um objetivo imediato, mas, juntamente com muitas outras leituras, constituíram o caldo intelectual inconsciente, uma expressão usada, num contexto semelhante, por Pierre Lévy, no qual minhas ideias foram sendo “cozidas”. Destaco ideias sobre necessidades e vontade, sobre viver, observar, sentir, desejar. No meu modelo de conhecimento, que chamo “Da realidade à ação”, cada indivíduo é parte da realidade e é impactado e informado por fatos e fenômenos. Como cada indivíduo processa essa informação, como age e com quais objetivos, qual sua intenção, são as perguntas diretrizes desse modelo. Claramente, esse enfoque tem muito a ver com aquilo que foi acumulado no que eu chamei de caldo intelectual.
IHU On-Line – Qual é a relação da fenomenologia com a etnomatemática?
Ubiratan D’Ambrosio – A etnomatemática depende inicialmente de descrever as coisas para, em seguida, explicar e entender. O descrever é tipicamente fenomenológico. A etnomatemática reconhece que o ser humano procede, na construção de sistemas teóricos, a partir do reconhecimento de fatos e fenômenos à ação com alguma intenção.
IHU On-Line – Em que aspectos há um diálogo transdisciplinar entre esses saberes e o que eles apontam de positivo sobre a intersecção do conhecimento?
Ubiratan D’Ambrosio – A pergunta revela uma concepção de transdisciplinaridade como uma disciplina ou uma metodologia. A fenomenologia e a etnomatemática são maneiras transdisciplinares, isto é, vão além das disciplinas, além das grades de uma gaiola, de reconhecer, entender e explicar fatos e fenômenos.
IHU On-Line – A transdisciplinaridade entre fenomenologia e etnomatemática representa uma alternativa para as “gaiolas epistemológicas”, às quais o senhor se referiu em entrevista concedida à nossa revista em 2005? Por quê?
Ubiratan D’Ambrosio – Não faz sentido a expressão “transdisciplinaridade entre”. Há um diálogo entre a maneira fenomenológica de ver o mundo e a maneira etnomatemática de ver o mundo. Ambas essas maneiras são transdisciplinares, isto é, não estão “engaioladas” nos preceitos das disciplinas tradicionais.
IHU On-Line – Qual é a importância da compreensão de Merleau-Ponty de que é preciso considerar o organismo como um todo para se descobrir o que se seguirá a um dado conjunto de estímulos?
Ubiratan D’Ambrosio – Compreender Merleau-Ponty é compreender tudo o quero dizer sobre a maneira de ser no mundo. Por isso uma das leituras que recomendo aos meus alunos é Merleau-Ponty. O básico é que ele nos dá a mensagem que no mundo, onde quer que estejamos inseridos, há sempre algo para se ver e se dizer. Melhor que qualquer outro, Merleau-Ponty aproxima fenomenologia e existência.
IHU On-Line – Que outras contribuições a filosofia de Merleau-Ponty oferece para o diálogo com a matemática?
Ubiratan D’Ambrosio – Uma vertente pouco explorada na matemática tem sido a psicanálise, que foi tratada exemplarmente por Merleau-Ponty. Gostaria de estimular filósofos da matemática a darem mais atenção à psicanálise. A matemática é a expressão de uma forma de ver o mundo, de uma visão pessoal e de experiências próprias, e pode não estar subordinada à formalização que é, muitas vezes, equivocadamente identificada com matemática.
IHU On-Line – Como percebe o diálogo entre esses dois saberes nas tradições ocidental e oriental? Quais são os principais pontos de aproximação entre filosofia e matemática?
Ubiratan D’Ambrosio – Acredito que o pensamento é uma somatória de experiências, de busca de satisfação de necessidades, isto é, da satisfação da pulsão de sobrevivência, e de ir além da sobrevivência, transcendendo necessidades e incorporando explicações e desejos. Os saberes nas tradições orientais ou ocidentais, ou setentrionais ou meridionais, ou equatoriais, são resultados da resposta às pulsões de sobrevivência e de transcendência, de necessidades e vontades, e esses saberes e fazeres refletem, numa relação simbiótica, experiências e memórias, que são naturalmente fenomenológicas e existenciais.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Ubiratan D’Ambrosio – Vou comentar justamente sobre a questão anterior. Há duas dicotomias insustentáveis numa questão que deveria ser, fenomenológica e existencialmente, muito abrangentes. De fato, estamos falando de humanidade – toda uma espécie – e de experiências e memórias individuais que, socializadas, constituem saberes e fazeres de grupos, muitas vezes formados por apenas dois indivíduos e outras vezes por populações. Esses saberes e fazeres estão presentes em uma variedade de tradições orientais e ocidentais, mas também setentrionais, meridionais e equatoriais, simplificando para cinco essas classificações. De Merleau-Ponty apreendi principalmente que o real é o complexo de fatos e fenômenos muitos surpreendentes. O indivíduo procura descrevê-los conforme sua percepção e seu imaginário. O homem está nesse real e é nesse real que ele se conhece. Esse real é planetário, como são, consequentemente, os saberes e fazeres distintos. É impreciso, incompleto e pode causar muita confusão reduzir essa complexidade simplesmente falando em tradições oriental e ocidental.
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Confira outra
entrevista concedida por Ubiratan D’Ambrosio à IHU On-Line
* A visão engaiolada do mundo. Edição número 153, de 29-08-2005
* A visão engaiolada do mundo. Edição número 153, de 29-08-2005
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