Iguais (“polos” magnéticos), opostos (Sul e
Norte) e resistentes a qualquer força que separa e destrói: divida o ímã em mil
partes e, em cada uma delas, o diferente
permanece, reproduz-se.
* * *
“Poxa, tantas colônias de bactérias, tantos cupinzeiros
e essas monadazinhas indiferenciadas encarnam logo em pessoas… Minha opinião,
provavelmente equivocada, é que o
diferente inspira hostilidade pelo fato de ser… igual. Ninguém – penso eu – sente ódio apetitivo por (vontade de odiar) animais de outras espécies. O mais lamentável é que a figura do
bode expiatório parece ser útil (ao menos em situações de anomia social) para
firmar laços grupais: ‘nós’ nos unimos para nos proteger d'Ele, caçoar d’Ele,
desumanizar esse ‘Outro’ que nos angustia pondo em xeque nossas certezas, ameaçando
nossa segurança vegetativa, que nos desperta desejos indesejáveis e que, por ser estranhamente igual, evoca-nos o estrangeiro, o rival, o temível, o misterioso e o
demoníaco que existe em mim, em você, nos nossos próximos queridos. Aliás,
relendo este comentário, dei-me conta que desumanizei esses supostamente
diferentes de mim, ao chamá-los de alminhas
de micróbio ou de cupins. Ah, como
sou um verme! Tenho que me vigiar mais… ” (Manuel Bulcão - Mensagem
publicada no blogue de Webston Moura O Araibu )
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Contra
o senso comum
Tércia
Montenegro
As férias chegaram! Como sempre,
antecipadamente separei a pilha de livros que mais cobiço para esse momento.
Desta vez, no topo está Nabokov, com O
olho, numa edição recém-lançada. Meses atrás eu tinha me deliciado com A verdadeira vida de Sebastian Knight, e
agora quero repetir o escritor. Nabokov, aliás, além de ficcionista foi
professor, e o livro Aulas de literatura é
uma obra compilada por anotações que ele preparou para seus alunos. Nunca
esquecerei as ótimas reflexões que daí tirei – principalmente porque elas não
traziam o velho ranço orientacional. Ao contrário, o autor russo sabia que, em
matéria de arte, o recomendável ou o óbvio nunca é o mais interessante. O tal
senso comum, que aprova uma tendência em determinado local, muitas vezes revela
uma esterilidade, um conformismo que rejeita desafios. Assim acontece com toda
visão estreita, que tende a negar o diferente – conforme diz Nabokov: “A cor do
credo, da gravata, dos olhos, dos pensamentos, dos costumes ou da língua de
cada um tropeçará irremediavelmente em algum lugar do espaço ou do tempo com a
objeção fatal de uma multidão que detesta essa tonalidade particular”.
Quem estará com a razão, na batalha
das opiniões críticas e dos juízos estéticos? Novamente Nabokov não é doutrinário,
não toma partido nem busca verdades inabaláveis. Ele escolhe a celebração do
assombro, de um “estado mental infantil e especulativo, tão diverso do senso
comum e da lógica”. Este é o caminho para o aprendizado, a verdadeira aula que
acontece o tempo inteiro, quando deixamos desmoronar o muro dos conceitos
pré-fabricados.
Porém, não pense o leitor que as
reflexões descambam para a anarquia, o vale-tudo em que simples inquietos se
confundem com artistas reais. Nabokov distingue impulso e maturação – e explica
isso com uma lição que nasce na própria essência eslava: “A língua russa define
dois tipos de inspiração: vostorg e vdokhnovenie, que podem ser
parafraseados como ‘arrebatamento’ e ‘recuperação’. A diferença entre um e
outro é sobretudo de intensidade; o primeiro é breve e apaixonado, o segundo
frio e sustentado. Quando as coisas estão maduras e o escritor começa a
escrever seu livro, confiará no segundo e sereno tipo de inspiração – vdokhnovenie – companheiro fiel, que
ajuda a recuperar e a reconstruir o mundo.”
É esse universo – ao mesmo tempo
livre e equilibrado – que o artista consegue manipular. Ele se distancia
daquelas vozes que repetem suas fórmulas e proíbem divergências ou novidades.
Tércia Montenegro
(escritora, fotógrafa e professora da UFC)
Crônica publicada no
jornal “O Povo” em 21/12/2011
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