sábado, 31 de dezembro de 2011

CONTRA O SENSO COMUM (TÉRCIA MONTENEGRO)


Iguais (“polos” magnéticos), opostos (Sul e Norte) e resistentes a qualquer força que separa e destrói: divida o ímã em mil partes e, em cada uma delas, o diferente permanece, reproduz-se.

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“Poxa, tantas colônias de bactérias, tantos cupinzeiros e essas monadazinhas indiferenciadas encarnam logo em pessoas… Minha opinião, provavelmente equivocada, é que o diferente inspira hostilidade pelo fato de ser… igual. Ninguém – penso eu – sente ódio apetitivo por (vontade de odiar) animais de outras espécies. O mais lamentável é que a figura do bode expiatório parece ser útil (ao menos em situações de anomia social) para firmar laços grupais: ‘nós’ nos unimos para nos proteger d'Ele, caçoar d’Ele, desumanizar esse ‘Outro’ que nos angustia pondo em xeque nossas certezas, ameaçando nossa segurança vegetativa, que nos desperta desejos indesejáveis e que, por ser estranhamente igual, evoca-nos o estrangeiro, o rival, o temível, o misterioso e o demoníaco que existe em mim, em você, nos nossos próximos queridos. Aliás, relendo este comentário, dei-me conta que desumanizei esses supostamente diferentes de mim, ao chamá-los de alminhas de micróbio ou de cupins. Ah, como sou um verme! Tenho que me vigiar mais… ” (Manuel Bulcão - Mensagem publicada no blogue de Webston Moura Araibu )

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Contra o senso comum

Tércia Montenegro

           
As férias chegaram! Como sempre, antecipadamente separei a pilha de livros que mais cobiço para esse momento. Desta vez, no topo está Nabokov, com O olho, numa edição recém-lançada. Meses atrás eu tinha me deliciado com A verdadeira vida de Sebastian Knight, e agora quero repetir o escritor. Nabokov, aliás, além de ficcionista foi professor, e o livro Aulas de literatura é uma obra compilada por anotações que ele preparou para seus alunos. Nunca esquecerei as ótimas reflexões que daí tirei – principalmente porque elas não traziam o velho ranço orientacional. Ao contrário, o autor russo sabia que, em matéria de arte, o recomendável ou o óbvio nunca é o mais interessante. O tal senso comum, que aprova uma tendência em determinado local, muitas vezes revela uma esterilidade, um conformismo que rejeita desafios. Assim acontece com toda visão estreita, que tende a negar o diferente – conforme diz Nabokov: “A cor do credo, da gravata, dos olhos, dos pensamentos, dos costumes ou da língua de cada um tropeçará irremediavelmente em algum lugar do espaço ou do tempo com a objeção fatal de uma multidão que detesta essa tonalidade particular”.
            Quem estará com a razão, na batalha das opiniões críticas e dos juízos estéticos? Novamente Nabokov não é doutrinário, não toma partido nem busca verdades inabaláveis. Ele escolhe a celebração do assombro, de um “estado mental infantil e especulativo, tão diverso do senso comum e da lógica”. Este é o caminho para o aprendizado, a verdadeira aula que acontece o tempo inteiro, quando deixamos desmoronar o muro dos conceitos pré-fabricados.
            Porém, não pense o leitor que as reflexões descambam para a anarquia, o vale-tudo em que simples inquietos se confundem com artistas reais. Nabokov distingue impulso e maturação – e explica isso com uma lição que nasce na própria essência eslava: “A língua russa define dois tipos de inspiração: vostorg e vdokhnovenie, que podem ser parafraseados como ‘arrebatamento’ e ‘recuperação’. A diferença entre um e outro é sobretudo de intensidade; o primeiro é breve e apaixonado, o segundo frio e sustentado. Quando as coisas estão maduras e o escritor começa a escrever seu livro, confiará no segundo e sereno tipo de inspiração – vdokhnovenie – companheiro fiel, que ajuda a recuperar e a reconstruir o mundo.”
            É esse universo – ao mesmo tempo livre e equilibrado – que o artista consegue manipular. Ele se distancia daquelas vozes que repetem suas fórmulas e proíbem divergências ou novidades.

Tércia Montenegro (escritora, fotógrafa e professora da UFC)
Crônica publicada no jornal “O Povo” em 21/12/2011

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