sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MÍSTICA E GEOMETRIA: A INTUIÇÃO DA UNIDADE EM NICOLAU DE CUSA E ESPINOSA (ARTIGO DE ALVES DE AQUINO) (*)



"O Geógrafo", pintura de Johannes Vermeer (1632-1675)

*


Apresentação

Tudo vem do Uno e ao uno deve voltar
Se não quiser desdobrado e múltiplo ficar

(TUDO DEVE VOLTAR AO UNO, aforismo 1 do Livro V 
de O Peregrino querubínico, de Angelus Silesius)


O que nos propomos é a instauração de uma reflexão acerca do princípio de unidade de todas as coisas tomado a partir de duas perspectivas: a da filosofia mística de Nicolau de Cusa (1401-1464), e a do racionalismo geométrico de Benedito de Espinosa (1632-1677). Os conceitos de “mística” e “geometria” expressarão aqui proximidades e diferenças que caracterizarão bem duas mundivisões acerca de um mesmo problema. O discurso de Nicolau de Cusa, à medida que busca superar o silêncio oriundo de uma consciência da inefabilidade do Absoluto, ultrapassa igualmente a perspectiva de uma Teologia Negativa como a de Maimônides (1135-1204), que somente admite enquanto dizer, o que não é a essência divina. A reflexão cusana pode ser assim caracterizada como renovada procura de uma nomeação de Deus, dialeticamente aceitando os limites da linguagem, mas ao mesmo tempo procurando desenvolvê-la em sua máxima amplitude. E nisso consistirá o maior distanciamento de Nicolau de Cusa em relação àquele com quem mais tarde dividirá a acusação de panteísmo: para Espinosa, a dedução da ordem das ideias por via geométrica representa a seguridade de que a ordem das coisas alcançara correta exposição. O mesmo objeto — o Uno como primado ontológico — será definido a partir de uma compreensão diferenciada de intuição: a intuição de que parte a Ethica de Espinosa é matemática e, assim, expressão secular de uma metafísica que, já em pleno século XVII, procura desocultar todo mistério.

1. Mística e Teologia Negativa: entre o Silêncio e a Linguagem

(...) todos, antigos e modernos, afirmam corajosamente que o Criador (exaltado seja!) não pode ser apreendido pelas inteligências, que só Ele pode abarcar “o que é”, e que percebê-lo equivale à incapacidade de reconhecê-lo plenamente. Todos os filósofos confessam: sua formosura nos deslumbra e se nos oculta pela mesma intensidade de sua manifestação, como o sol se encobre aos olhos demasiado débeis para contemplá-lo. Sobre isso se escreveu amplamente e não há por que repeti-lo. Porém o mais admissível a esse respeito é proclamado pelo salmista: “Para ti o silêncio é louvor” (Salmo 65, 2); (...) Em consequência, mais acertado é o silêncio e limitar-se às percepções intelectivas, como recomendaram os perfeitos, ao dizerem: “Pensai em vosso coração, em vosso leito, e guardai silêncio” (Salmo 4, 5). (1)

Em sua introdução ao Livro da divina consolação de Mestre Eckhart (1260-1328), afirma-nos Leonardo Boff que “toda mística, cristã ou pagã, vive de uma experiência radical: aquela da unidade do mundo com o supremo Princípio ou do homem com Deus. Trata-se de uma experiência imediata de Deus ou simplesmente do Uno”. (2) A ser assim, enquanto imediata uma tal experiência prescinde, para fazer-se realizar, de qualquer ulterior desdobramento linguístico, podendo mesmo culminar no silêncio: antecedente ao próprio dizer, dá-se com o simples apresentar-se àquele que intui. O calar apareceria aqui como resultante da intuição da unidade porque esta, ao mesmo tempo em que se apresentaria ao místico sem mediações quaisquer do pensamento e da fala, ultrapassaria igualmente a própria pretensão de uma sua reprodução pelo pensamento e, consequentemente, pela fala. Estaríamos diante do sentido originário do conceito de mística, enquanto mistério (mysterion, do grego). O místico seria a um só tempo o portador e guardião do grande segredo incomunicável: infelizmente deverá manter exclusivamente consigo “a chave” de seu sagrado conhecimento. Eis por que alguns, como São João da Cruz, iluminados pelo anseio de travessia da grande noite escura da alma, preferem expressar pela poesia sua experiência vivencial de unidade. Mas convenhamos que a poesia — embora veladamente — é já um dizer. (3)

Um semelhante esforço de articulação é aquele propugnado pela Teologia Negativa que, muito embora afastando de si o silêncio, aceita como unicamente articulável a propósito do Absoluto aquilo que não constitui a essência deste, a saber: toma como único discurso teológico possível a indicação dos limites pelos quais inteligimos a insuficiência do próprio dizer ante aquilo que paira sempre para além de toda razoabilidade e inteligibilidade. Nesse sentido a figura de Moisés Maimônides é exemplar, e o Capítulo L (e os seguintes LI-LII-LIII nos quais é desenvolvida a questão) do seu Guia dos perplexos nos serve primorosamente de referência. Nele encontramos as considerações segundo as quais Deus é defendido como Uno, mas sob a condição de que tal implica a negação de qualquer atributo como passível de expressar a essência divina, uma vez esta não ser constituída de modo algum por atributos essenciais. Se atributos diversos exprimem a essência de Deus, temos ameaçada a ideia de unicidade, posto que sua exata expressão deve evitar a multiplicidade de ideias, e com isso fica interditada a exposição de uma possível diversidade de atributos divinos positivos. Os atributos afirmativos configuram-se como uma apresentação equivocada da unitariedade divina e qualquer qualificação sua é imprópria, pois pela própria atribuição da diversidade de atributos a Deus, traímos o Uno substancial que este é.

Mas ainda com Maimônides (seguindo, finalmente, os capítulos LVII-LVIII de seu Guia), teríamos que nem mesmo atributos como existência, unidade e eternidade podem ser tomados como atribuíveis a Deus. A existência seria um atributo somado, acrescentado, sobrevindo à quidditas do ente, e como tal não deve ser afirmado de Deus, pois este “existe, mas não por uma existência; vive, mas não por uma vida; pode, mas não por um poder; conhece, mas não por uma ciência; tudo se reduz a uma só ideia, na qual não há multiplicidade”. (4) Assim, também o conceito de eternidade não Lhe deve ser fixado, pois tal conceito designa sobretudo uma relação com o tempo, o que é impróprio de Deus. A não-temporalidade divina O exime de qualquer vínculo com um conceito que, mesmo pretendendo significar duração indefinida, é ainda relativo à mensuração temporal. Finalmente, que dizer do próprio conceito de unidade, aquele que aqui nos é mais caro? Para Maimônides, Àquele que é isento de qualquer composição, Àquele que é de absoluta simplicidade, a atribuição da unidade é ainda um erro, posto vincular mais uma vez a essência divina ao múltiplo da quantidade: assim como existe, mas não em função da existência como acréscimo de sua essência, é Uno, mas não pela unidade como atributo que se Lhe adere. Se Deus é verdadeiramente Uno, a enumeração e exposição de seus atributos nada Lhe acrescentam porque traem pela diversidade a própria unicidade divina. Que nos resta dizer de Deus, por conseguinte?

Resta-nos a enunciação daquilo que não Lhe pertence, daquilo que não O constitui. Vejamos: se cada atributo positivo, enquanto diverso de outro atributo, limita a ideia da infinita singularidade de Deus, então haveremos de adotar como medida (não o silêncio, não o não-dizer, mas) o “dizer-não”. O dizer o que Deus não-é. (5) Semelhante postura não deve sob hipótese alguma confundir-se com a admissão da completa ignorância. Não se ignora aqui o uno primordial que é Deus, sabe-se que Ele é, mas não se sabe o que Ele é. Afirmá-Lo Uno é precisamente negar a diversidade de atributos e, com isso, a possibilidade de qualquer discurso que queira fazer-se seguir à sua apreensão como substância simples: fica impedida a dialética como desdobrar-se do conceito mediante a negação de si, fica aberta a via para a negação como discurso estático. Isto é, se pensarmos a negação em sua dinâmica como exposição mediante o movimento do conceito que se desdobra e se enriquece em determinações que expressam gradualmente aquilo que ele é, — tal dialética cai por terra já que para Maimônides o Uno primordial não é passível de conceituações particularizantes;  estas identificar-se-iam, em última instância, à diversidade, traindo mesmo a essência substancialmente única do divino. Permanece a negação como “afirmação estática”, isto é, renovado recomeço a partir do ponto originário, a saber: o de que de Deus só se diz com propriedade aquilo que Ele não é.

Mas dizer, por exemplo, que Deus não é corpóreo adianta muito mais ao entendimento do que dizer que se ignora tal coisa (bem como afirmar dele positivamente qualquer outra coisa, conforme já o vimos).  Assim, o dizer o que Deus não é, deve multiplicar-se de modo que nos aproximemos cada vez mais de uma ideia divina, ainda que nunca positivamente. Porque do contrário corremos o risco abissal de, para além de alcançar uma ideia imperfeita de Deus, perdê-Lo por inteiro. Afinal, aquele que pretende estabelecer a afirmação de atributos como qualidades parciais complementares de Deus, desliga-se deste por este não dever ser compreendido senão integralmente. O “dizer-não” é dizer acerca de Deus o que pode ser dito com acerto. Um passo intermédio entre a pretensão da palavra positiva, e a resignação do silêncio absoluto.

Ora, todo o esforço de uma teologia mística que não tome, por um lado, o silêncio absoluto como (in) expressão maior e única possível da intuição da unidade do mundo, e por outro a negatividade da qualificação dos atributos divinos, empreender-se-á no sentido de tentar traduzir verbalmente, reflexivamente, essa mesma unidade originária, sem que sua expressividade alcance jamais o esgotamento do objeto. A dupla referência da teologia mística catafática consiste na aceitação, por um lado, da necessidade de comunicação positiva da unidade intuída, e por outro na consciência de que o dizer permanecerá sempre aquém daquilo que o dito é em si mesmo. Embora algo sumária, tal constatação prepara-nos suficientemente a abordagem do pensamento de Nicolau de Cusa, ainda que também em suas linhas mais gerais.

2. Nicolau de Cusa e o Princípio de Unidade

Contudo, supera nossa mente o modo de complicação e explicação. Quem, por favor, poderia entender como da mente divina seja a pluralidade das coisas, admitido que o entender de Deus seja seu ser, o qual é a unidade infinita? Se continuas considerando a semelhança com o número, como o número é a multiplicação do uno comum feita pela mente, pareceria como se Deus, que é a unidade, se dê multiplicado nas coisas, admitido que seu entender é ser. E no entanto, entendes que não é possível que se multiplique aquela unidade que é infinita e máxima. (6)

A intuição de uma unidade que ultrapassa o dizer definitivo mas não elimina o dizer aproximativo, constitui de certo modo o cerne do esforço filosófico de Nicolau de Cusa. A propósito, o seu De docta ignorantia exprimiria precisamente tal ambivalência: o douto intui aquilo que é o princípio mais elevado de realidade, entretanto conhecendo igualmente a insuficiência de sua capacidade de expressar com exatidão a essencialidade dessa mesma intuição como princípio original de todas as coisas. Por isso a tarefa do pensador consistirá numa tentativa de aproximação paulatina e gradual ante a tradução do que constituiria sua verdade primeira, sempre fugidia: no caso de Nicolau de Cusa, tamanho empreendimento aponta para o encontro da mais precisa denominação de Deus enquanto unidade originária do mundo, bem como para o esclarecimento da relação dessa mesma unidade ante a pluralidade em que se manifesta. (7)  

A busca de uma nomeação exata de Deus, para além de qualquer teologia apofática, leva o filósofo de Kues ao uso contínuo de três figuras linguísticas essencialmente caras à mística em geral: referimo-nos à hipérbole, antítese e metáfora. A partir desses três recursos procuraremos desenvolver nossa abordagem da reflexão cusana acerca do princípio divino. O uso dessas figuras não é meramente estilístico, mas constitutivo daquilo que seria o cerne da filosofia mística, conforme a viemos aqui apresentando: uma interpolação, um situar-se positivamente entre o calar e o dizer. Nesse sentido é que a intuição da realidade do ponto de vista de sua absolutidade, não se esgotará jamais mediante a linguagem filosófica ordinária, devendo expressar-se a partir de imagens que suscitem por sua singularidade a mesma singularidade a que se referem, ainda que esta jamais se esgote por completo. Fica claro que a linguagem filosófica/teológica necessita engrandecer-se com novos elementos a fim de potencializar seu poder de expressão se realmente pretende apreender o mais eficazmente possível seu objeto máximo, este que é inapreensível por natureza. As figuras de retórica funcionarão em Nicolau de Cusa como elementos possibilitadores da constituição do próprio discurso acerca de Deus.

A consideração da realidade una como intuição da qual se parte, conduz ao esforço de uma reprodução intelectiva que, tendo em vista seu objeto, exige por sua vez uma linguagem inovadora. A recorrência à hipérbole no De docta ignorantia exprime exatamente a compreensão cusana de que o inaçambarcável só pode ser devidamente dito, se o é exageradamente. Ou seja, não há maior proximidade do “todo abrangente” (se quisermos usar um conceito de Jaspers) que aquela alcançada pela demonstração dos limites de tudo aquilo que ele não é; e esses limites serão ainda mais evidenciados, se a totalidade em sua desmesura é apresentada a partir do recurso hiperbólico da linguagem. A finitude em seu confronto com a totalidade unitária quedará ainda mais demarcada se anteposta perante a abrangência do conceito hiperbolizado do real como unidade: tal conceito é o de Máximo Absoluto. 

O Máximo Absoluto é a hiperbolização de toda realidade porque se apresenta como denominação positiva maior de tudo aquilo que pode cair sob domínio do intelecto humano, mas que ultrapassa infinitamente esse domínio, por ser ele mesmo a própria infinitude totalizante. Como Absoluto, o máximo totalizante ultrapassa infinitamente todas as coisas que nele estão, mas sem o qual não podem sequer ser pensadas. O Máximo Absoluto é o conceito hiperbólico a partir do qual – e somente a partir do qual – podemos pensar a existência das coisas finitas, é em suma, o próprio fundamento destas. É nesse sentido que se dá a estreita relação entre o Máximo Absoluto como primado ontológico maior da expressividade de toda a realidade, e a contradição dos opostos (a antítese como segunda figura).

A impossibilidade de uma apreensão da infinitude por um pensamento linearmente lógico implica a adoção da contradição como recurso (repetimos, mais do que retórico) filosófico somente mediante o qual as inconsequências do real se deixam postular. A antítese mesma faz-se hiperbólica tão logo nos damos conta de que o Máximo Absoluto enquanto absolutamente máximo, deve contrair o finito e o infinito, deve hipostasiar-se no infinitamente pequeno como no infinitamente grande; por ser fundamento de cada coisa particular, é particular sem que se esgote na particularidade.

Como unidade, deve o Máximo comprimir toda a realidade, sendo assim complicação de todas as coisas, complicatio. A infinita pluralidade do mundo, à medida que constitui a unidade de tudo mas dela sendo diferenciada, nada mais é que desdobramento, explicatio. A relação dialética entre complicatio e explicatio efetiva-se a partir da consideração de que a singularidade das coisas do mundo não fornece explicação de si por si, inserindo-se numa totalidade que enquanto identidade última de toda pluralidade, a um só tempo fornece a unidade ontológica na qual subjaz a diversidade, como se diferencia do mero conjunto de entes individuais. É na realidade una que todas as coisas se apresentam enquanto explicatio, mas a consideração da complicatio pela qual todas as coisas aparecem implicadas jamais se exaure na identificação de sua complicação. O princípio complicador é sempre um para além da mera consideração das singularidades conjuntamente: embora imanente à multiplicidade de seus desdobramentos, não se esgota quando pensado a partir de uma aglutinação dos seres diversos.

Assim, posto que cada coisa em particular é manifestação do Máximo Absoluto, como também uma sua ocultação (já que o Uno jamais se complicaria totalmente no finito), a aventura linguística pela qual o místico intenta expressar sua intuição original é sempre elíptica, parabólica. Esta talvez seja, dentre as três figuras, a mais cara às origens da tradição neoplatônica e cristã a que se filia. (8)

No De visione Dei encontramos grande exemplificação da metáfora como recurso imagético para definição aproximativa do Absoluto. Ali a imagem dos olhos de Deus é o símbolo pelo qual se estabelece a metáfora plena responsável por uma clarificação da compreensão da essência divina. A “comparação” realizada entre o olhar do ícone que se desloca conforme o ângulo do observador e a visão de Deus em tudo presente, parece ao cusano a ilustração mais sensível da unicidade e ubiquidade divinas. Mas no De docta ignorantia as metáforas dão-se principalmente sob o elenco de exemplos matemáticos, pois é “precisamente na caracterização do método do uso simbólico da matemática que está a marca profunda da originalidade do Cusano e da novidade da sua filosofia interpretativa”. (9) A adoção da simbologia matemática coincide com a pretensão de desenvolvimento de uma linguagem dotada de imagens as mais precisas do inimaginável, ilustrações de um método discursivo pelo qual são explicitadas aproximativamente as dobras do inefável. Esse recurso à simbologia matemática oferece-nos a passagem para o momento seguinte de nossa discussão.

3. Geometria e Metafísica

Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam-me dado ocasião de imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer que não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se descubram. (10)

No Discurso do método, obra publicada em 1637, René Descartes (1598-1650) lança as bases do racionalismo moderno: o alicerce do pensamento ali postulado dá-se a partir da aceitação do que há de mais próprio às matemáticas, isto é, o encadeamento de ideias utilizado por essas ciências que são, enfim, as únicas a oferecerem conclusões indubitáveis. Não se trata da aprendizagem particular de todas as matemáticas (geometria analítica, álgebra ou aritmética), mas do que dá azo à certeza de suas proposições. E a utilização do método dedutivo matemático é em Descartes a descoberta de um caminho pelo qual podemos vir a atingir a ordem necessária das coisas, “nada havendo tão distante que não seja alcançado, nem tão escondido que não seja descoberto”.

A confiança na possibilidade de descoberta do que subjaz escondido, eis o que poderíamos alicerçar como típico do cartesianismo: não estamos mais perante a posição de suspeição e suspensão segundo a qual o fundamento último das coisas permanecerá velado a despeito do muito nomear; mas o próprio deslocamento do problema de uma via discursiva para uma via primacialmente cognitiva instaurará o otimismo científico moderno. A matemática é guia veraz porque a linguagem do mundo é matemática: assim o afirmara Galileu, (11) assim o assinalara também Descartes. Uma vez o entendimento guiado com seguridade através da reta via de um bom método que se lhe adeque, nada devemos temer: estará o erro afastado, e o mundo perfeitamente passível de tradução.

Nas Respostas às segundas objeções, o filósofo francês fará uso daquela que viria a consagrar-se como forma demonstrativa por excelência da filosofia espinosana: a demonstração sintética. Enquanto a análise consistiria na exposição do discurso de acordo com sua própria gênese, apresentando assim a gestação mesma pela qual um dado pensamento se dera, a síntese trataria de desenvolver-se a partir do resultado da inquirição, não seguindo a ordem de nascimento das conclusões, mas sim uma ordem mais apropriada à demonstração dos resultados alcançados. É esse o método expositivo adotado por Espinosa em sua obra máxima, a Ethica ordine geometrico demonstrata.

É inegável que a ordem geométrica de exposição seja a mais correspondente à pretensão espinosana de demonstração da unidade substancial da realidade: a geometria funciona a nosso ver como a mais adequada exposição da unicidade universal em sua concatenação intrínseca pela qual se vinculam singularidade e totalidade, a saber, em termos espinosanos, modalidade e substancialidade. A organicidade do sistema geométrico de Espinosa expressa exemplarmente sua tentativa de ultrapassagem dos limites de um discurso que tomasse como pressuposto a impossibilidade de esgotamento — mesmo que em suas linhas gerais — da trama interna da realidade. A articulação entre as definições, axiomas, proposições e demonstrações de sua obra magna atestam a certeza da eficácia da tessitura matemático-dedutiva como reprodutora da ordem do mundo, igualmente inter-relacionada em sua teia de causalidades a ligar a substancialidade originária às suas manifestações modais mais particulares. A ordenação logicomatemática mediante a qual de definições iniciais são extraídas consequências que reverberarão ao longo de toda a concatenação do discurso — uma ordenação tal nada é senão a formulação na esfera do pensamento daquilo mesmo que se passa na ordem do real, em sua mais intrínseca nervura.

A recorrência por Espinosa à geometria surge como estatuto ontológico, primado de exposição da intuição de uma ordem única de mundo graças à qual é possível finalmente alcançar a “união da mente e da Natureza” estipulada no § 14 do Tratado da emenda do intelecto. A mathesis universalis perde aqui o caráter simbólico (qual em De Cusa) e assume a configuração da própria realidade a ser exposta em sua dedução contínua, ininterrupta.

4. Espinosa e a Substância Única

Os requisitos, porém, da definição da coisa incriada são os seguintes: I. Que exclua toda causa, isto é, que o objeto não exija nada mais que seu próprio ser para sua explicação. II. Que, dada sua definição, não reste lugar para a pergunta: ‘Existe ou não?’ III. Que não contenha, no sentido real, substantivos que possam ser adjetivados, ou seja, que não possa ser explicada em termos abstratos. IV. Exige-se, por último (embora isto não precise muito ser anotado), que de sua definição se concluam todas as suas propriedades. Tudo isso são coisas manifestas a quem prestar bem atenção. (12)

A definição inicial da Ethica é a de causa sui: aquela que implica necessariamente a existência, aquela que não pode ser pensada senão como existente. Esse conceito é a formulação mesma da ideia de que se deve partir, e da qual se deve deduzir o conteúdo subsequente da realidade. Na verdade, com as deduções extraídas ao longo da Parte I da Ethica, chegamos ao conhecimento de que na definição da causa de si está já posta a identificação da realidade como unidade ontológica (conforme prescrito já na emenda do intelecto). A causa sui expressa toda a realidade possível porque nada além de Deus (ens realissimum) pode ser dito causa de si mesmo. Sendo a substância (pela definição III) “aquilo que é em si e se concebe por si”, os atributos (def. IV) “aquilo que o entendimento percebe da substância”, os modos “as afecções da substância” (def. V), Deus o “ente absolutamente infinito, isto é, substância que consta de infinitos atributos” (def. VI) (13) e dada enfim a impossibilidade (pela proposição XIV) da existência de outra substância além de Deus, toda a infinita diversidade não pode ser tomada senão como expressão de atributos divinos e, portanto, como manifestação da substância única: a saber, como expressão de uma mesma realidade unitária. Os atributos não são distintos, em última instância, da substância: são a substância mesma, mas a partir da diferenciação ocasionada pela percepção por parte do entendimento humano. Assim, pensamento e extensão expressam uma só substancialidade: e suas modificações particulares nada são senão individuações imanentes a uma mesma realidade singular. (14) A intuição inicial do princípio originário da realidade como causa sui, e a correspondência direta deste a Deus, implicam a aceitação de que em Deus se dá a identidade entre o ser e o existir pelo fato de que do ponto de  vista da substância única como única realidade, tudo aquilo que é, é na substância. Tudo que existe, existe na substância e deve ser concebido a partir desta (e esta meramente a partir de si): logo, a substância como causa de si exprime já desde seu inicial despontar como definição primeira, o “máximo absoluto” de força ontológica.   

O que fornece garantia à verdade da unidade de mundo aqui apresentada é precisamente sua reprodução lógica e matemática: a validação das deduções, à medida que estas se desenvolvem, dá-se pelo seu próprio feixe de entrecruzamentos. A auto-referência alcançada pela disposição geométrica procura atestar a impossibilidade do equívoco, posto que todo o edifício conceitual fora construído pari passo, reproduzindo na ordem do discurso e das ideias aquela ordenação originária, ontológica, de causa e efeitos entrelaçados. Por isso a Parte V da Ethica (da potência do entendimento ou da liberdade humana) é finalizada com o reenvio do homem a Deus, mediante o amor Dei intelectualis (o amor intelectivo de Deus). Se a causa sui como princípio máximo de realidade implica a contenção de todo existir, então o homem não pode ser senão modificação da e na substância infinita, Deus: e o conhecimento humano do mundo é conhecimento de Deus. Amar intelectivamente a Deus não quer senão dizer que o homem já integrado na ordem total da Natureza exprime agora como desejo maior o conhecimento gradual dessa mesma ordenação na qual se insere. Assim, o tecido constitutivo que se estende das primeiras definições da Parte I às últimas demonstrações da Parte V da Ethica explicita em linha discursiva a série nevrálgica das causas e efeitos que unem o indivíduo como modalidade da substância a Deus como totalidade, como unidade substancial.

Estamos aqui já distantes daquela perspectiva com que iniciamos nosso estudo, e segundo a qual é clara a aceitação do Uno como estatuto ontológico primeiro de realidade, mas indevida ou insuficiente sua tradução positiva como discurso. Em Espinosa, a inteligibilidade da unidade do mundo é garantida pela própria via expositiva dessa unidade, a via geométrica. (15)

À Guisa de Conclusão

A Teologia Negativa, aqui apresentada a partir das reflexões de Maimônides em seu Guia dos perplexos, postula os limites do dizer acerca de Deus. Deste não podemos dizer o que é, sob o risco de trairmos sua identidade unitária; podemos dizer apenas aquilo que Ele não é, e tanto mais rico será nosso discurso quanto mais determinações negativas houvermos elencado. Nesse sentido o direcionamento filosófico de Maimônides pode ser caracterizado como meio-termo entre o dizer e o calar absoluto. Propriamente, o silêncio absoluto seria a expressão mais adequada para aqueles que pensam a completa impossibilidade de se comunicar a experiência da unidade divina. Este não é o caso de Nicolau de Cusa, para quem a comunicabilidade aparece como insuficiente (dado o inefável do Absoluto) mas não de todo equívoca. A teologia mística de Nicolau de Cusa atesta o empreendimento de uma busca sempiternamente renovada em função da correta nomeação de Deus, princípio complicador de todas as coisas. O Cusano aceita ser apenas aproximativo o seu esforço, posto que um muro há de sempre inderditar a passagem direta ao Paraíso em que se poderia ver Deus face a face. Por isso a denominação tardia de Deus também como um Não-Outro que há de permanecer naquilo que se não nomeia: dizer algo é deixar de dizer o não-algo, nomear é deixar de nomear. O Não-Outro como si-mesmo escapa a todas as definições por ultrapassar o domínio da mens em sua (dele) imensurabilidade. Por isso ainda o socratismo cusano pelo qual o douto é irremediavelmente ignorante: sabe que sabe da unidade, mas ignora como exprimi-la plenamente.

Não gratuitamente a reflexão posterior de Espinosa haverá de aproximá-lo daquela empreendida pelo Cusano: partem ambos da possibilidade de expressão do Uno primordial, diferentemente embora. Se em relação a Maimônides Nicolau de Cusa pode ser visto como dotado de um otimismo linguístico, em relação a Nicolau de Cusa o mesmo pode ser dito do filósofo holandês. A pretensão de tradução do mundo a partir de seu estatuto ontológico mais elevado — como unidade — leva Espinosa à formulação de uma filosofia ordenada geometricamente, intrinsecamente concatenada. É esse primado da mathesis universalis (que já aqui não se configura como metáfora, mas a própria essência do mundo em sua identidade como ordem de ideias e ordem das coisas) o responsável pelo distanciamento da perspectiva moderna ilustrada por Espinosa, daquela medievo-renascentista ilustrada pelo Cusano. Fiel ao otimismo cartesiano de assunção da matemática universal (mas infiel no concernente a quase todo o restante cartesianismo), Espinosa desenvolve sua doutrina sem maior desconfiança frente à linguagem que emprega: pois acredita ser esta a correspondente adequada do mundo que quer traduzir. Esse ainda o elemento que nos permite afastar Espinosa da alcunha de místico, a despeito de alguns como Novalis o definirem como um “homem embriagado de Deus”. A geometria, ainda ela, é a marca secular de um racionalismo sóbrio que se impõe sobretudo como afirmação do intelecto e, assim, a própria intuição primordial da unio mystica reveste-se aqui do caráter de intuição matemática, scientia intuitiva: aquele nível de intelecção que se apropria imediatamente de seu objeto, prescindindo portanto de qualquer cálculo antecedente. A causa sui tal como definida na Parte I da Ethica é a tradução máxima do Absoluto como unidade primária de mundo: mas sua clareza e evidência já não implicam mistério; sua formulação enquanto definição é explicada pela potência do próprio entendimento daquele que intelige e, nesse sentido, é humana, demasiadamente humana, secular. E esse mesmo processo de secularização do saber pelo qual Espinosa buscou desvelar o oculto no século XVII haveria, em nossa contemporaneidade, de desconfiar de toda palavra acerca de Deus que se pretenda fundada racional e ontologicamente, devolvendo assim o discurso acerca do Uno à sua impossibilidade originária, ao seu silêncio.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(*) Publicado na Revista KALAGATOS, do Curso de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Volume V, N. 9, 2008 (pp. 157-182). 
(1) MAIMÓNIDES, M. Guia de perplejos, p. 161.
(2) BOFF, Leonardo. “Mestre Eckhart: a mística da disponibilidade e da libertação”; introdução a ECKHART, Mestre. Livro da divina consolação e outros textos seletos, p. 16.
(3) “Entréme donde no supe,/ y quedéme no sabiendo,/ toda ciencia transcendiendo./ 1. Yo no supe dónde entraba,/ pero cuando allí me vi,/ sin saber dónde me estaba,/ grandes cosas entendí;/ no diré lo que sentí,/ que me quedé no sabiendo,/ toda sciencia transcendiendo”: Cruz, San Juan de la. Cántico espiritual, pp. 25-26.
(4) MAIMÓNIDES, M. Op. cit., p. 205.
(5) “Os atributos negativos são os que necessariamente hão de empregar-se para direcionar o intelecto até o que d’Ele (exaltado seja!) devemos crer, pois daí absolutamente nenhuma ideia de multiplicidade haverá de resultar, e são os atributos negativos que encaminham o intelecto até a meta do acessível ao homem na percepção de Deus”: MAIMÓNIDES, M. Op. Cit., p. 158.
(6) CUSA, Nicolás de. Acerca de la docta ignorantia, pp. 37-38.
(7) Eis por que em sua introdução ao diálogo Directio speculantis seu de non aliud, traduzido para o espanhol como El No-otro (p. 5), Angel Luis González afirma do cusano que “(...) sua teoria filosófica geral poderia entender-se como uma doutrina sobre os nomes de Deus, uma investigação das possíveis fórmulas de designação do Absoluto, que de seu é inefável”.
(8) Realmente, já no platonismo a alegoria cumpre a função de alternativa ao discurso dialético: ilustra o cerne da doutrina em questão, sem que a esgote conceituamente; em Jesus o recurso à parábola é uma forma de fazer entender seus ensinamentos por parte daqueles que o ouvem, em geral ignaros. Por isso Gianluca Cuozzo procura assentar em seu Mystice videre — esperienza religiosa e pensiero especulativo in Cusano (pp. 14-16), a necessidade de não se tomar a filosofia-teologia de Nicolau de Cusa como simples antecipação do cartesianismo ou do kantismo (dada sua crítica original ao conhecimento) ou mesmo pensamento de transição; o pensamento do Cusano não pode ser entendido se não for localizado no mundo imagístico medievo, alegórico, simbólico, uma vez sua reflexão permanecer sempre entre a indagação especulativa e o mistério da revelação. Jaspers também aponta (em “Nicolás de Cusa — a los quinientos años de su muerte”, p. 49) a importância da simbologia matemática em Nicolau de Cusa, já que “esse aspecto matemático de sua descoberta é a diretriz ou o símbolo da coincidência de todos os contrários no Infinito, que é Deus”.
(9) Cf. a Introdução de João Paulo André ao De visione Dei, p. 95.
(10) DESCARTES, R. Discurso do método, p. 40.
(11) GALILEI, Galileu. O Ensaiador (p. 119): “A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo) que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem ele nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto”.  
(12) ESPINOSA, B. Tratado da correção do intelecto, p. 65. Todas as citações da obra de Espinosa far-se-ão a partir da edição Abril Cultural, 1983 (Col. Os Pensadores). Para a Ética, utilizamos como cotejo a edição bilíngue latim-francês das edições Seuil: apresentada, traduzida e comentada por Bernard Pautrat.
(13) Conforme o original latino: “III. Per substantiam intelligo id, quod in se est, & per se concipitur: hoc est id, cujus conceptus non indiget conceptu alterius rei, à quo formari debeat. IV. Per attributum intelligo id, quod intellectus de substantiâ percipit, tanquam ejusdem essentiam constituens. V. Per modum intelligo substantiae affectiones, sive id, quod in allio est, per quod etiam concipitur. VI. Per Deum intelligo ens absolutè infinitum, hoc est, substantiam constantem infinitis attributis, quorum unumquodqueaeternam, & infinitam essentiam exprimit”. Éditions du Seuil, p. 14.
(14) O elenco da extensão e do pensamento como dois dos infinitos atributos que constituem o ser da substância, ao mesmo tempo que visa em Espinosa uma maior determinação daquilo que constitui a essência de Deus, enfrenta a aporia do conflito unidade-diversidade legado por Maimônides, a quem o filósofo parece responder diretamente quando no escólio da Proposição X da Parte I afirma: “(...) embora dois atributos sejam concebidos como realmente distintos, isto é, um sem contributo do outro, nem por isso se pode concluir que constituam dois entes, isto é, duas substâncias, por ser da natureza da substância que cada um dos seus atributos seja concebido por si; (...) Por consequência, está longe do absurdo a atribuição de vários atributos a uma substância”. Para um confronto Espinosa-Maimônides, cf. BENSUNSSAN, Gérard. “Spinoza lisant Maimonide: antifinalisme et contingence”, in: Les Études Philosophiques, octobre-décembre. — Paris: Presses Universitaires de France, 1995, pp. 441-455. 
(15) Nesse sentido, assinalamos nossa concordância com as considerações de similitude entre as metafísicas cusana e espinosana, desenvolvidas por José González Rios (em “La coincidencia de los opuestos: actus et potencia en Nicolas de Cusa y Baruch de Spinoza”), segundo as quais a indeterminação da substância de Espinosa como pura potência em ato coincidiria com o possest de Nicolau de Cusa: mas a diferença radical aqui apontada, à medida que remete à própria intuição da unidade como diferenciada nos dois filósofos, parece instaurar um distanciamento maior que qualquer proximidade doutrinal.

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