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Palpites futebológicos
Tenho um amigo cujo filho do meio é
esquizofrênico. Sempre que lhe pergunto sobre a saúde do rapaz, ele, que é
torcedor fanático do Ferroviário Atlético Clube, responde: “Continua como o
Ferrim: quando a gente pensa que está melhorando, piora”.
Ocorre que não é apenas o Ferrim que se
comporta desse jeito. Na verdade, não é esse time outra coisa que a expressão
caricata de todo o futebol da parte de cima do Nordeste (o potiguar, o cearense,
o piauiense…), que está mais para o da Nicarágua e Ilhas Fiji do que para o do sul
do País. Sim, até na pelada o Brasil é terra de contrastes — e mais uma vez
fiquei no lado sofrível.
Por
isso, sendo brasileiro “apesar” de cabeça chata, esforço-me para torcer apenas
pela seleção canarinho. O problema é que não consigo. Por mais que tente,
termino retornando aos estádios e ao Alvinegro, aos comentários radiofônicos do
Alan Neto, nem que seja para, amargurado, torcer contra. (O futebol tem mesmo
um elã encantatório, um quê do sexy appeal
de mulher bandida do subtipo “cebola” - aquela que a gente come e chora, come e chora, come e chora...).
Na ocasião da Copa da África do Sul
(2010), andei especulando sobre as razões da imensa popularidade do futebol (soccer), e tive alguns insights. No caso do Brasil, vislumbro
como uma das razões a tradição da capoeira – uma luta com as pernas – que,
aliada ao gosto infantil pelos dribles no pega-pega (fez que ia, não foi e acabou
“fundo”) e com a tendência à simpatia pelos mais fracos, ensejou as primeiras
torcidas. De fato, devia ser hilariante ver negros longilíneos escapando das
correntes e do pelourinho na base da esquiva desconcertante e da rasteira, deixando
tontos os seus feitores (“diminutos portugueses com expressões assassinas”,
conforme definição de Darwin no The
Voyage of the Beagle — Perdoem-me, meus irmãos d’além mar, por essa citação).
Além da simplicidade das regras – exceto
para a minha mãe, que sempre pergunta “quem é a bola?” (plágio ou intertextualidade,
quase a mesma coisa) – e do material necessário para a prática do esporte,
outra razão global do sucesso do futebol está no fato de as partidas serem
decididas, no mais das vezes, com escores mínimos, de modo que a alegria, em
vez de se diluir em cinquenta cestas, como acontece no basquete, ela se
concentra em um ou dois gols em média. É mais ou menos o que ocorre numa
relação sexual entre apaixonados: muitas carícias preliminares e, de repente, o
orgasmo — uma explosão de dopamina, o prazer em clímax. Daí a relação de paixão
irracional entre as torcidas organizadas e seus times.
Daí, também, que torcer pela seleção
nacional é como fazer amor com a pátria em que nós, os torcedores, somos os
passivos da relação e, portanto, sujeitos às ejaculações precoces do parceiro, às
suas impotências circunstanciais, aos seus momentos de virilidade exuberante…
Além do mais, o fato de os placares
encerrarem-se com poucos gols, isso aumenta significativamente o papel da sorte
ou do azar – isto é, do acaso – no resultado final. Por isso que, principalmente
para quem torce por clube ruim, isto é, pela zebra, futebol é jogo de azar.
Ora, todo mundo sabe que jogo de azar vicia mais que o álcool e talvez tanto
quanto a heroína. E, segundo Freud, em jogatina a maioria dos jogadores aposta
não para ganhar, mas para perder: inconscientemente, o jogador (no caso, o
torcedor) quer expiar um sentimento de culpa abscôndito. A propósito, tenho
quase certeza de que aquele meu amigo doente pelo Ferroviário é um desse tipo:
um adicto da “zebrinina”, um futebólatra.
Manuel Soares Bulcão Neto,
ainda puto com a
derrota do Vozão para o América-MG por 2 a 1, em casa!
Crônica
publicada no jornal Diário do Nordeste,
em 08/08/10.
É isso aí Manoel(Leleu).
ResponderExcluirSofremos, perdemos e se alvinegros nós "semos" é porque sangue raçudo nós temos. Viva o Vozão...
Isso!Viva o Ceará seja lá o que isso signifique (Rapaz, até o nome é feio!).
ResponderExcluirAbraço,
Manuel Bulcão
Também torço pelo Ceará, Bulcão! Eu penso que o grande problema do futebol da periferia do Brasil é tentar fazer parte do centro, ou seja, penso que nossos clubes deveriam romper com a estrutura do sudeste e montar uma estrutura própria. Enquanto isso vamos torcendo! Abraços!
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